A resposta de Capitolina
Suíça, 18 de Fevereiro de 1885.
Bianca Sabatino
Bento,
Hoje faz 20 anos que nos casamos aí no Rio de
Janeiro e 10 que você nos despachou (a mim e ao pequeno Ezequiel) para tão
longe.
Escrevo não porque sinto saudade, tampouco piedade.
Nosso amor acabou. Escrevo porque me descobri doente, condenada à morte pelos
médicos. Estou quase desenganada. E antes que seja tarde demais, desejo fazer
alguns esclarecimentos para o meu próprio bem.
Eu sei que você até hoje desconfia que eu te traí
com o Escobar. Foi por isso que me mandou para cá. Sei também que ainda cogita
a possibilidade de não ser o verdadeiro pai do menino, que inclusive vê
semelhanças entre os dois. Que passou as duas últimas décadas atormentado por
essa suspeita.
Nesse momento você deve estar se perguntando: “Como
aquela louca dissimulada sabe de tudo isso? E eu te digo, Bento, uma mulher
ferida na honra sabe de tudo. Ela conhece com o olhar, mesmo que se cale pra
sempre.
A sua mudez de reprovação me contou a história toda.
Durante anos os seus olhares de desconfiança fulminaram a minha moral ao ponto
de eu me sentir culpada pelo que nunca havia feito. As suas poucas palavras, incertas
dos fatos e certeiras no ataque, atingiram-me como flechas de dor. Chorei o
tempo todo. Quieta.
Você me condenou com sua ofensa velada e insegurança
confessa. E hoje quem te confessa sou eu: Bento Santiago, eu não te traí, nem
em pensamento. Mas, com meu silêncio, eu me vinguei. Fazer você morrer de incerteza
e ciúme foi a única saída que me sobrou.
Se eu te corneasse de fato, a razão seria sua. Se eu
te implorasse a fé, você me acusaria de confissão. Então, preferi me calar para
ocultar a verdade e revidar com o fel da dúvida todo o ressentimento que você
me causou.
Pronto, agora morro em paz. Envenenada pelo meu
próprio segredo. Em paz e livre.
E te liberto também,
Adeus,
Capitu
Capitu
Bianca Sabatino
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